Ele espera-me. Lá nas profundezas do escuro, ele me espera. Lá, onde ninguém vê ou suspeita, ele anseia pelo meu inevitável retorno, como o dono anseia que volte o seu cão, correndo com o galho, caprichosamente lançado para além, por entre as mandíbulas.
Nunca lhe vi o rosto, mas sei poder confiar no seu silêncio – lá estará, sempre me esperando. Afinal de contas, que mais de honesto têm as coisas à luz do dia? Quem me diz que não serão por natureza sombras, e os raios solares apenas delas fazem projetarem-se longos contornos coloridos que ludibriam os olhos – dizem-lhes que o mundo é luz, mas na verdade, a luz vem, infiltra-se por onde pode, e volta a partir mal secam os rios de sol, e então sobra aquilo que apenas é real – a negra face do mundo.
Tu não te escondes, por isso, és apenas sincero vulto de uma vida de vultos apagados em poças de luz.
E por mais que fales, e mais ainda eu vá ter contigo, ninguém realmente ouve, ou vê. Talvez, como as crianças, tenham medo do escuro, ou talvez seja a minha sombra que te encubra, ou ainda não passes de sonho meu. Não! Sinto-o demais para isso. A tua silhueta é mais palpável até que os corpos diurnos dos meus pares.
Do topo da torre vejo as coloridas e cristalinas reflexões da luz elétrica da cidade, dançando perdidas à tona das águas do rio, como fogos fátuos chamando-me para o interior dos pântanos onde algures se sufoca uma tragédia feita de lodo, mas a tua presença supera e ofusca, quando torno a olhar para trás, e então sinto a nudez do teu corpo, óbvia mesmo de olhos vendados pela noite, e somos os dois só o que somos, até o Sol raiar.