Entrevista à Professora Carolina Lemos
professora
Carolina Lemos

A ANDO Portugal — Associação Nacional de Displasias Ósseas, foi registada a 26 de Maio de 2015 e apoia as pessoas com displasias ósseas e suas famílias. Cria e divulga informação útil e atual, encaminha e orienta questões ao nível socioeconómico, educativo, jurídico e de saúde pública e colabora com investigação médica, social e científica, sendo reconhecida desde 2017 pelo Instituto Nacional de Reabilitação (INR) como Organização Não Governamental para Pessoas com Deficiência (ONGPD). A professora Carolina Lemos, nossa docente e membro da comissão científica da ANDO, explicou tudo sobre esta associação incrível à Rita Teixeira.
Onde surgiu o seu interesse pela genética?
“Sempre gostei imenso das ciências da vida e inclusive foi a minha disciplina preferida ao longo do meu percurso académico. No 12ºano adorei toda a matéria que foi dada em Biologia e decidi que iria para o curso de Biologia porque abarcava tudo…é a Vida, para mim!
Eu entrei no curso de Biologia a pensar seguir a carreira de docente no Secundário. Na altura o meu curso tinha três ramos, um deles educacional, no 4°ano, sendo que era a minha intenção dar aulas ao Secundário…Sempre quis ser Professora desde pequena, só não sabia ao certo de quê. No 3ºano do curso, deu-me uma crise existencial porque eu pensei: se for para o ramo Educacional vou perder a vertente de investigação que tinha começado a gostar com novas disciplinas, professores…Eu gosto é de aprender: quando eu ensino, aprendo imenso! Então, decidi ir para o ramo Científico-Tecnológico que tinha uma parte marinha, que eu até achava piada, mas tinha uma disciplina…eu já tinha tido duas cadeiras de genética, mas houve uma, a genética aplicada, que realmente mudou toda a minha visão, porque era aplicada e comecei a aprender sobre doenças genéticas, processos…foi mesmo interessante, adorei! Eu tinha de escolher um estágio e foi nessa altura, só mesmo nesta altura, que eu pensei: porque não fazer um estágio em genética? Com os conhecimentos que eu aprendi nessa disciplina foi aí que eu comecei a interessar-me pela acondroplasia: onde estava a mutação, percebê-la…porque só aí é que obtive os conhecimentos! A questão é que na altura eu queria fazer um estágio no Porto, mas não havia ninguém na área da genética das displasias ósseas, na altura não havia mesmo nada em Portugal. Tive a sorte de ir parar ao grupo do Professor Jorge Sequeiros, onde estou ainda hoje no I3S, que trabalha em doenças neurológicas. Foi assim que nasceu o meu interesse pela genética, derivou da minha vontade de me conhecer e a verdade é que hoje em dia tudo o que aprendi no grupo do Professor Jorge Sequeiros, permite-me perceber melhor ainda todos os processos ligados às displasias ósseas.”
Como é que foi o seu processo de descoberta da doença e o seu percurso?
“Eu já sabia que tinha a acondroplasia, mas só mais tarde percebi que era uma condição genética. Na altura quando eu nasci não havia ecografias, só apareceram um ano mais tarde, logo os meus pais não sabiam que eu tinha esta condição. Eu fui diagnosticada aos 17 dias, por causa das medições dos ossos longos que estavam completamente alteradas, um dos principais fenótipos. Fui com a minha mãe a vários centros, para percebermos melhor o que se passava e até compreender a própria doença, nomeadamente a Coimbra e a Londres, claro que eu adorei Londres apenas pela viagem (risos).
Quando comecei a entrar na área da genética, a ler artigos, encontrei e percebi, que ao contrário daquilo que achava, há muitas mais complicações, como por exemplo, otites, hidrocefalia e inclusive crianças que têm de fazer descompressão na coluna, ou seja, o meu fenótipo, não é de todo o mais complicado.
Foi a minha vontade de me conhecer que me trouxe até aqui e, claro, a paixão pela área da genética!
Como é que descobriu a ANDO? De que forma é que a ajudou?
Nós já tínhamos um grupo, desde há vários anos atrás, de pessoas que se foram encontrando, fomos fazendo alguns convívios, também para nos irmos conhecendo melhor, dado que existe um grande número de displasias ósseas, embora a acondroplasia seja a mais frequente.
No entanto, eu sempre achei que faltava uma associação mais ligada à parte científica, à parte social, promover não só o convívio social e partilha de experiências pessoais, mas também uma intervenção mais social e apoio.
Num congresso organizado por uma amiga minha, reencontrei a Inês. Digo que reencontrei, porque a Inês tinha andado comigo no 1º ano do curso de Biologia e tínhamos ficado amigas na altura. Só que depois a Inês mudou de curso para Medicina Veterinária e acabamos por perder o contacto.
A Inês estava no congresso com a filha dela, a Clara, que também tem acondroplasia. Claro que na altura em que a Clara nasceu, ela lembrou-se de mim e também achava que existia uma grande lacuna em Portugal de informação, de apoio e de ajuda, que ela teve de pesquisar por ela própria como mãe.
Aí entra em ação uma grande associação espanhola, a ALPE, que deu um grande empurrão para a formação da ANDO.
Na minha perspetiva, não faria sentido haver uma associação só para a acondroplasia, apesar de ser a mais comum. A associação deve albergar também as outras displasias.
A Inês, com outras pessoas, formou a ANDO e eu fui colaborando aos poucos porque, como sabem, tenho uma vida super ocupada.
Cada vez fui-me envolvendo mais na associação até que fui convidada a participar na comissão científica, passando a ir aos vários encontros.
A ANDO procura, deste modo, juntar uma componente mais social com uma mais científica. Com o excelente apoio na área clínica e genética de um geneticista de Coimbra, o Dr. Sérgio Sousa, é possível fazermos o diagnóstico e o acompanhamento na associação.
A ANDO tem-me ajudado porque acho que todos os dias aprendo mais sobre mim, através daquilo que aprendo na associação e, claramente, sendo uma apaixonada pela ciência e pela genética, tem sido uma caminhada muito interessante.
Felizmente, este ano decidi ser mais interventiva e ajudar a Inês o máximo possível, porque é essencial termos uma associação forte e que nos represente.”
Seria possível fazer um pequeno resumo sobre o trabalho da Ando?
“Uma das coisas que eu sempre disse à Inês e ela entrou muito por essa vertente, é o apoio aos pais. Apesar de tudo, eu e os meus colegas já somos adultos, já ultrapassamos algumas coisas. Os pais que acabam por ter uma criança agora, sem saberem nada, o que é normal, devem ter a preocupação de saber o que é que vai acontecer ao seu filho, que dificuldades vai enfrentar, como será o seu desenvolvimento em termos escolares, e até em questões futuras. Acho que a ANDO tem tido um papel excelente com os pais, aliás, também se viu isso na reportagem. Acho que tem sido mesmo essencial! A ANDO tenta, efetivamente, apoiar as pessoas. Nós temos alguns direitos que nem conhecemos, a nível social, fiscal, bem como alguns recursos que não sabemos que existem e, nesse campo, a ANDO está a tentar agregar a informação, quer em termos sociais como clínicos. A página da ANDO tem uma série de recursos onde é fácil pesquisar e ter mais informação. Estamos também a fazer projetos nas escolas, porque é muito importante a informação, mesmo para os mais novos. As entrevistas têm sido feitas a vários adultos com displasias ósseas, o que acho também importante para perceber o modo de vida, as dificuldades, os medos, os receios. A ANDO está a tentar apoiar isso tudo. Já foi atribuída uma bolsa ANDO para um estudante de medicina e também para um estudante de fisioterapia porque, como devem imaginar, em termos motores, a área de fisioterapia e intervenção é também muito importante. Essa bolsa ANDO, esse concurso, vai voltar a acontecer! Eu incentivo os meus estudantes, mais em anos avançados, a participar. A ideia é apoiar a permanência durante um período de tempo num centro de referência internacional. Estamos a tentar que essa bolsa seja acreditada, de modo a promover essa rede de cooperação e que vocês tenham essa oportunidade de estagiar, em termos de displasias ósseas, num centro de referência internacional. Por isso, a ANDO incentiva não só o apoio às famílias e aos indivíduos, mas também a formação de profissionais, que é muito importante. Estejam muito atentos à página da ANDO porque certamente mais novidades surgirão. O feedback da primeira experiência foi excelente, mesmo!”
Pelo que pesquisei existem muitos poucos tratamentos farmacológicos (até se pode dizer quase nenhum)…acha que futuramente irão existir mais? Estão a ser feitas investigações nesta área?
“Há vários ensaios clínicos em curso. Recentemente foi aprovado um medicamento, o voxzogo ®, para a acondroplasia, mas há vários outros ensaios clínicos em curso e eu acho que está agora a despertar o interesse das farmacêuticas por esta área. Mesmo na parte da investigação, também gostaria de começar a abrir linhas nessa área, sem dúvida. Acho que é muito importante, há muito a fazer e acho que Portugal tem muito ainda para dar, até para perceber também um pouco da história natural das displasias ósseas, por exemplo. Os ensaios clínicos estão a decorrer também com pessoas portuguesas. Um dos centros de referência é exatamente a equipa multidisciplinar do Hospital Pediátrico de Coimbra. O Hospital de Santa Maria, em Lisboa, também tem consultas especializadas de genética, um bocadinho mais focadas na osteogénese imperfeita. Realmente, há muito trabalho ainda a ser feito, porquê? Em termos pediátricos, o apoio para as crianças em termos multidisciplinares até é bastante grande. O problema é depois a transição para o adulto e isso nós temos vindo a perceber, das conversas que temos tido com vários adultos. Onde se perde o seguimento é exatamente a partir da altura em que as pessoas deixam a pediatria, porque não há esse acompanhamento em adulto, que é feito por clínicos de ortopedia ou reumatologia, mas que acabam por não ter uma especialização. O Hospital de Coimbra está exatamente a tentar fazer essa transição, bem como a tentar coordenar com os hospitais e cuidados locais. Eu acho que na especialidade de Medicina Geral e Familiar é muito importante conhecer-se mais. Às vezes os clínicos não têm tanta noção das nossas necessidades e é sem dúvida importante conhecer-se mais. É o problema das condições raras. Como são pouco frequentes, eu acredito que haja médicos que apenas lhes passe um indivíduo com essa condição e, portanto, não é fácil. Evidentemente, terão acesso muito mais facilmente a condições genéticas muito mais comuns. Depende muito da vossa vontade de saber mais.”
Acha que Portugal fornece um bom apoio multidisciplinar para quem sofre desta doença…ou existem lacunas? O que poderia ser melhorado?
“É exatamente o centro de referência em Coimbra, o único que existe. Evidentemente que seria interessante e importantíssimo haver mais centros de referência, porque às vezes as pessoas terem que se deslocar não é assim tão fácil. Sim, a lacuna é a necessidade de mais centros de referência.”
Qual o papel da ANDO para com os pais de crianças que possuem esta doença?
“Bem, esta parte não sei, mas eu acho que depende da condição da criança, do modo de vida e dos recursos disponíveis. Não há assim ajudas de custo disponíveis de todas as formas, isso ainda não conseguimos dar. Mas o grupo de pais é muito importante e acho que também se ajudam mutuamente. Nunca mais vou esquecer um dos primeiros encontros da ANDO em que falei da minha experiência e do meu percurso. Um dos pais veio ter comigo no final e disse “Obrigada, graças ao seu testemunho estou muito mais sossegado”, porque percebeu que eu fazia uma vida completamente normal e acho que isso é importante. Acho que a ANDO quer entrar muito por aí!”
Quais são os próximos objetivos da ANDO?
“Acima de tudo, começarmos a avançar em termos de investigação, criar sinergias e cooperações com centros de investigação nacional, para avançar mais no conhecimento das displasias ósseas. Cooperar também entre os vários centros clínicos, para estabelecer mais centros de referência. Por outro lado, fomentar a bolsa ANDO e, assim, a participação dos jovens estudantes nestas áreas, bem como fazer cooperações a nível internacional. Além disso, queremos fazer colaborações, por exemplo, a nível do desporto adaptado, na área da física e da psicologia, aumentar essa disponibilidade de apoio e ajuda, muito importante para todos. Basicamente, o objetivo é albergar uma série de colaborações entre as várias áreas.”